A leitura perdeu ainda mais espaço na rotina dos brasileiros. Em quatro anos, o país viu desaparecer cerca de 6,7 milhões de leitores, segundo a sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2024. A queda é atribuída, principalmente, à falta de tempo, à preferência por outras atividades e ao avanço das redes sociais, que competem diretamente com os livros pela atenção das pessoas.
De acordo com o levantamento, considera-se leitor quem leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Ainda assim, apenas 27% dos entrevistados afirmaram ter concluído uma obra por completo nesse período. A média nacional de leitura também caiu: foram 2,04 livros lidos por inteiro, contra 2,6 na edição anterior da pesquisa, em 2019.
Para Carlota Boto, professora de Filosofia da Educação e diretora da Faculdade de Educação da USP, essa mudança reflete a dinâmica da vida atual. “Somos uma sociedade multifacetada. Assistimos à televisão, lemos um texto e checamos o celular ao mesmo tempo. Isso dispersa a concentração”, analisa. Segundo ela, o uso intenso das redes sociais, que estimulam a liberação rápida de dopamina, torna o hábito da leitura menos atrativo em comparação.
Apesar do cenário preocupante, Carlota reforça a importância da leitura para a formação cultural e intelectual dos indivíduos. “Toda a nossa cultura da modernidade passa pelo acesso às letras. A leitura é um exercício fundamental para acessar esse legado cultural”, afirma.
Leitores se formam desde cedo
O incentivo à leitura precisa começar na infância — e o exemplo familiar é determinante nesse processo. Dos entrevistados na pesquisa, 17% disseram ter sido influenciados por familiares: 9% pela mãe ou responsável do sexo feminino, 4% por outros parentes e 4% pelo pai ou figura masculina. “É muito rica a prática de pais que leem para crianças que ainda não são alfabetizadas. Quando passam a ler juntos, a leitura se transforma em encantamento”, comenta Carlota.
A escola também tem papel fundamental nesse estímulo. No entanto, segundo levantamento da Atricon (Associação dos Membros de Contas do Brasil), três em cada dez escolas públicas brasileiras têm bibliotecas, o que afeta diretamente o acesso à literatura. “Cabe ao professor criar esse hábito com os alunos, por meio da leitura em voz alta, da leitura compartilhada”, ressalta a educadora.
Entre adolescentes, a leitura costuma ser motivada pelas exigências escolares ou dos vestibulares. Já no caso de adultos e idosos, as escolhas são mais pessoais, com preferência por gêneros como romance, suspense e clássicos. Mas manter o hábito exige esforço. “Se o adolescente é cobrado pela leitura, o adulto não é. E quanto mais distante da prática, mais difícil será retomar”, diz Carlota.
Como voltar a ler?
Para quem deseja retomar ou começar a prática da leitura, a professora recomenda: “Vá até uma livraria, invista na compra de um livro que seja do seu interesse. Um livro pode ser difícil de engatar nas primeiras 20 páginas, mas quando interessa ao leitor, ele flui com facilidade”.
Num país onde a leitura perde espaço para o imediatismo digital, encontrar tempo e motivação para abrir um livro pode parecer um desafio. Mas, como afirma Carlota Boto, o esforço é recompensado: “A leitura nos dá acesso ao mundo da imaginação, ao pensamento crítico e à construção de um olhar mais atento sobre a realidade”.