Moda Circular ao Redor do Mundo: Semelhanças, Diferenças e o Caminho do Brasil

A moda circular vem ganhando força como resposta urgente aos impactos ambientais e sociais gerados pela indústria da moda, uma das mais poluentes do planeta. No mundo inteiro, cresce a consciência de que é preciso romper com o modelo linear — aquele que extrai, produz, consome e descarta — e adotar uma lógica mais sustentável, em que os produtos são pensados para ter múltiplos ciclos de vida. No Brasil e em outros países, esse movimento segue trajetórias paralelas, ainda que com características próprias e desafios distintos.

Tanto em território brasileiro quanto fora dele, a moda circular nasce de uma mesma inquietação: o volume crescente de resíduos têxteis e os danos causados ao meio ambiente. Estima-se que cada brasileiro descarte cerca de 21 quilos de têxteis por ano — número que supera até mesmo a média de países europeus, como a França e a Alemanha. Globalmente, o descarte e a obsolescência rápida das roupas, incentivados pelo fast fashion, geram montanhas de lixo têxtil, muitas vezes acumuladas em locais como o deserto do Atacama, no Chile, onde toneladas de roupas descartadas se tornam um problema ambiental visível até por imagens de satélite.

A resposta a esse problema, no entanto, tem ganhado contornos similares em vários cantos do planeta. Marcas globais como Patagonia, H&M e Stella McCartney já incorporam práticas de economia circular em seus modelos de negócios, promovendo coleta de peças usadas, programas de conserto e revenda, e linhas de produtos feitos com materiais reciclados. A União Europeia, por sua vez, estabeleceu estratégias regulatórias robustas, como a Responsabilidade Estendida do Produtor, que obriga marcas a assumirem a responsabilidade pelo ciclo completo de vida de suas peças. Nos Estados Unidos e no Japão, startups de tecnologia aplicam inteligência artificial e blockchain para rastrear tecidos e estimular a rastreabilidade total dos insumos.

No Brasil, a moda circular avança de forma igualmente criativa, ainda que enfrentando obstáculos estruturais maiores. A informalidade do setor, a ausência de uma legislação específica e os desafios logísticos do país tornam a reciclagem têxtil mais difícil e custosa. Atualmente, recicla-se apenas cerca de 20% do que é produzido em resíduos têxteis, o que revela uma lacuna entre intenção e execução. Apesar disso, o Brasil se destaca por iniciativas locais que aliam sustentabilidade à inclusão social. Marcas como Insecta Shoes, que produz calçados com tecidos reciclados e garrafas PET, e o Brechó Repassa, que oferece uma plataforma online para revenda de roupas, são exemplos de modelos de negócios sustentáveis que vêm ganhando espaço.

Mas o que realmente diferencia a moda circular brasileira é a sua conexão direta com a cultura e o território. Na região amazônica, por exemplo, surgem projetos que unem saberes tradicionais a práticas sustentáveis. O coletivo Selvática reaproveita retalhos e resíduos têxteis para criar peças únicas, enquanto outras iniciativas investem em tingimento natural e em técnicas artesanais de confecção. Há também o fortalecimento de movimentos comunitários, como o Brick de Desapegos, em Porto Alegre, que realiza feiras de troca e articula pequenos empreendedores da moda consciente, promovendo a circularidade por meio da economia local.

Em paralelo, instituições como o Instituto Focus Têxtil e o SENAI CETIQT vêm contribuindo para a capacitação técnica e o desenvolvimento de tecnologias limpas, inclusive com tecidos biodegradáveis feitos a partir de resíduos agroindustriais. A moda circular no Brasil, portanto, vai além da estética ou do marketing verde: ela se entrelaça com justiça social, empoderamento feminino e geração de renda em comunidades vulneráveis.

Enquanto países europeus avançam com políticas públicas estruturadas e grandes investimentos em inovação industrial, o Brasil mostra sua força na criatividade, no engajamento social e na capacidade de transformar limitações em soluções inovadoras. Ambas as abordagens são complementares e revelam que, apesar das diferenças de contexto, há uma direção comum: transformar a moda em um sistema regenerativo, duradouro e justo.

A moda circular ao redor do mundo não é apenas uma tendência, mas uma necessidade. No Brasil, ela já se manifesta em brechós digitais, oficinas de costura coletiva, tecidos reaproveitados e saberes ancestrais. Em outras partes do mundo, ela se traduz em políticas públicas, pesquisa de ponta e novas formas de consumo. O desafio está em integrar essas experiências, respeitando os contextos locais e aprendendo uns com os outros. Afinal, vestir-se de forma consciente não deveria ser privilégio — e sim um direito compartilhado por todos os habitantes de um planeta que pede socorro.

Compartilhe essa notícia