A cena é comum: gavetas transbordando, roupas esquecidas no fundo do armário, pilhas de papéis que “podem ser úteis um dia”. Mas onde termina a desorganização cotidiana e começa o acúmulo patológico? Para o personal organizer holístico Paulo Roberto Rodrigues Vieira, a resposta envolve muito mais do que organização: trata-se de acolhimento, saúde emocional e uma escuta sensível.
“Todos nós temos um cantinho desorganizado, isso é normal. Mas quando o acúmulo afeta a funcionalidade da casa, a saúde emocional e as relações da pessoa, precisamos ligar o alerta”, explica Vieira.
Acúmulo é sinal de alerta
A diferença entre desorganização e transtorno de acumulação compulsiva está ligada a três fatores: intensidade, frequência e prejuízo. “Um acumulador não apenas tem dificuldade de desapegar, ele sofre com isso. Às vezes, guarda lixo, objetos quebrados, itens sem uso por anos. Isso impacta diretamente a qualidade de vida”, aponta o personal organizer, que reforça: nesses casos, é fundamental procurar apoio psicológico.
Quando o excesso pesa na alma — e no ambiente
Segundo o Feng Shui, bagunça bloqueia o fluxo de energia positiva em casa. Vieira reforça que esse bloqueio vai além do esotérico: “Visualmente, o excesso de coisas gera sobrecarga para o cérebro. O ambiente desorganizado impede o relaxamento, aumenta a autocrítica e o estresse, prejudica o sono e até as finanças, já que dificulta a tomada de decisões conscientes.”
Conflitos entre moradores, sensação de fracasso e dificuldade de avançar na vida também são consequências comuns de espaços dominados pelo excesso de objetos.
O que mais se acumula — e por quê?
“Não é guardar que define alguém como acumulador, mas a relação emocional com o que é guardado”, explica. Roupas que não servem mais, livros nunca lidos, utensílios de cozinha intocados, objetos sentimentais e papéis antigos são os campeões de permanência nos lares. “As pessoas têm medo de precisar no futuro, sentem que estão desperdiçando dinheiro ou têm laços afetivos com os objetos. Às vezes, é só cansaço mesmo de decidir”, diz Vieira.
Bagunça e saúde emocional: um ciclo difícil de romper
A desorganização pode ser reflexo de dores internas. Vieira conta que muitos de seus clientes enfrentam ansiedade, depressão, luto ou estão vivendo momentos de grande transição. “A bagunça é um sintoma. Ela mostra que algo dentro da pessoa também está em desordem”, reflete.
Durante o luto, por exemplo, manter os pertences de quem se foi é uma forma de vínculo, mas o apego excessivo pode travar o processo de cura. Já em casos de depressão, a falta de energia impede até tarefas simples, como guardar roupas ou limpar um cômodo, o que alimenta o ciclo de desânimo.
Acolher, não impor: o processo do desapego
Vieira utiliza perguntas-chaves no processo de triagem: “Esse objeto representa quem você é hoje ou quem quer se tornar?” ou “Quando foi a última vez que você usou isso?” Para ele, a decisão final nunca deve partir do profissional, mas da própria pessoa, no seu tempo.
“Não estou ali para julgar, mas para facilitar. Às vezes, o item permanece, e tudo bem. O importante é que a pessoa olhe para ele com um novo significado — ou que sinta que pode deixá-lo ir com leveza.”
Organizar a casa para organizar a vida
A organização, segundo Vieira, vai muito além da estética: “Nossa casa é o único lugar que podemos controlar de verdade. Quando ela está em paz, essa sensação se estende para a vida.” Ele destaca que não se trata de manter uma casa perfeita, mas viva: com espaço para a bagunça, desde que venha seguida de um retorno à ordem.
“Organizar é encerrar ciclos, abrir espaço para novos começos. É um ato de cuidado consigo mesmo”, afirma.
Por onde começar?
Para quem sente que está guardando demais, mas tem medo ou culpa de desapegar, Vieira recomenda:
- Comece por um espaço pequeno, que esteja mais te incomodando.
- Agradeça os objetos antes de doá-los ou descartá-los.
- Use o critério do tempo de uso: “Usei isso no último ano?”
- Visualize sua vida futura: “Esse objeto faz parte do que quero construir?”
- Reinterprete a culpa como sinal de amadurecimento.
- Busque apoio, se for necessário — emocional ou profissional.
“Desapegar pode doer, mas também pode libertar. E cada objeto que vai embora abre espaço para algo novo — seja uma oportunidade, um sonho ou simplesmente a paz de um ambiente mais leve.”
