Quando um país decide restringir o uso de celulares nas escolas, não está apenas regulando um objeto: está dizendo algo sobre o que considera essencial no ato de aprender. A nova Lei 15.100/2025, já em vigor no Brasil, dá um recado claro: é preciso recolocar o foco na atenção, na convivência e no pedagógico. A norma proíbe o uso de dispositivos durante aulas, intervalos e deslocamentos, com exceções para fins educacionais, acessibilidade e situações de necessidade e orienta redes e escolas a definirem estratégias próprias de implementação. Em São Paulo, a legislação estadual foi além: a Lei nº 18.058/2024 determina que os dispositivos devem ser armazenados pela escola de forma segura, tornando-os inacessíveis durante todo o período escolar, incluindo recreio e atividades extracurriculares. Do ponto de vista psicológico, a discussão é menos sobre demonizar a tecnologia e mais sobre higiene atencional e autorregulação. Crianças e adolescentes convivem com um ecossistema digital desenhado para capturar cliques e minutos; os recursos que mais “grudam” (notificações, feeds infinitos, recompensas variáveis) competem com processos cognitivos fundamentais para aprender: memória de trabalho, planejamento e inibição de impulsos. É um jogo desigual e a escola vira linha de frente. Posso dizer que na minha experiência de sala de aula vejo que houve melhorias visíveis na atenção em sala de aula, com estudantes mais presentes e professores com maior facilidade para conduzir conteúdo. No entanto, também ficou claro que nem todos os alunos colaboram plenamente com a lei. Muitos ainda têm dificuldade em se desconectar dos aparelhos, seja pela dependência criada pelo uso contínuo, seja pelo medo de “perder algo” fora da sala de aula. Esse dado evidencia que a simples proibição não resolve: é preciso ensinar a lidar com a ansiedade de estar off-line e construir novos hábitos de convivência. Há também uma contradição pedagógica que precisa ser discutida. Em muitos contextos, as próprias atividades escolares são mediadas por plataformas digitais de aprendizagem, aplicativos e ambientes virtuais que exigem do aluno o uso de celular ou outro dispositivo. Isso cria uma tensão entre a norma e a prática: como exigir que o estudante não use o aparelho ao mesmo tempo em que se pede que ele acesse a plataforma para entregar uma atividade? Essa ambiguidade só reforça a necessidade de um contrato pedagógico claro: quando e para quê a tecnologia é ferramenta de aprendizagem, e quando deve ser guardada para favorecer a concentração. Relatórios recentes reforçam que o problema não é binário (“tela faz mal” vs. “tela faz bem”), mas dose-dependente e contexto-dependente. O estudo How’s Life for Children in the Digital Age? (OECD, 2025) mapeia riscos associados ao uso excessivo (sono precário, ansiedade, exposição a violência on-line) e, ao mesmo tempo, destaca ganhos quando a tecnologia é intencionalmente mediada por adultos e articulada a objetivos de aprendizagem. Ou seja: reduzir dispersão e danos e ensinar letramento digital crítico podem andar juntos. Em 2025, a pergunta central talvez não seja “celular: vilão ou herói?”, mas “qual nível de atenção queremos construir para aprender melhor, e, como a tecnologia entra a serviço dessa atenção?”. Se a manutenção da nova lei nos empurra a decidir coletivamente, que a decisão venha acompanhada de intencionalidade pedagógica, clareza de regras, alternativas de convivência e de coerência nas práticas pedagógicas digitais. Afinal, proibir sem educar infantiliza; liberar sem critérios abandona. Educar é escolher, junto, o melhor dos dois mundos.
Link do estudo: https://www.oecd.org/en/publications/how-s-life-for-children-in-the-digital-age_0854b900-en.html