Ambiente urbano molda senso de justiça de adolescentes, revela estudo em São Paulo

Violência e abandono em bairros periféricos impactam percepção de justiça e confiança nas instituições entre jovens

Um estudo realizado com adolescentes da cidade de São Paulo revela que o ambiente em que vivem tem influência direta sobre como percebem a justiça no mundo – especialmente quando se trata de suas próprias vidas. A pesquisa, conduzida pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da USP, identificou que jovens moradores de bairros marcados pela violência e pela precariedade urbana tendem a desenvolver uma visão mais cética sobre a justiça pessoal e institucional, o que pode afetar seu bem-estar psicológico e social.

Ao longo de três anos, os pesquisadores acompanharam 659 adolescentes entre 12 e 14 anos para analisar o desenvolvimento da chamada “crença no mundo justo” (BJW, na sigla em inglês). O conceito se refere à ideia de que o mundo é um lugar em que as pessoas recebem aquilo que merecem – uma crença fundamental para a construção da autoestima, do engajamento social e da confiança nas normas e instituições.

“Ambientes degradados não afetam apenas o bem-estar físico e mental, mas também corroem a confiança nas instituições e nos princípios de equidade”, afirma o psicólogo André Vilela Komatsu, primeiro autor do estudo e bolsista da FAPESP. O artigo foi publicado no Journal of Environmental Psychology, em coautoria com a neurocientista Simone Kühn, da Universidade de Hamburgo (Alemanha).

Os dados mostram que adolescentes de regiões com maior abandono e insegurança não apenas começam com níveis mais baixos de BJW pessoal, como também apresentam um afastamento progressivo dessa crença ao longo do tempo. Em contrapartida, jovens de bairros mais favorecidos mantêm níveis mais altos de BJW, ainda que reconheçam injustiças sociais em geral.

A escola aparece como um espaço-chave para influenciar positivamente a percepção de justiça, sobretudo em contextos urbanos desiguais. “Se o ambiente escolar for justo, claro e respeitoso, pode oferecer um contraponto às experiências negativas vividas no bairro. Mas, se a escola reforça desigualdades e práticas punitivas, ela acaba validando a sensação de injustiça”, explica Komatsu.

Além do espaço físico e institucional, o estudo também destaca o papel das redes sociais na formação de valores. Segundo os pesquisadores, os algoritmos tendem a amplificar conteúdos simplificados e emocionalmente carregados, o que pode distorcer as causas estruturais da desigualdade e reforçar estigmas sociais.

A pesquisa conclui que intervenções urbanas participativas – como a revitalização de espaços públicos, investimentos em infraestrutura e a valorização de comunidades vulneráveis – têm potencial para restaurar o senso de justiça entre adolescentes, desde que dialoguem com as vivências reais desses jovens.

“Essas ações podem comunicar, de forma concreta, que aquela população importa, que tem direitos e merece viver em um ambiente digno. E isso, para um adolescente, pode fazer toda a diferença na forma como enxerga a si mesmo e o mundo”, finaliza Komatsu.

Compartilhe essa notícia